domingo, 20 de novembro de 2011

Poema-ebó (pelo 20 de Novembro)


Dono das encruzilhadas,
morador das soleiras das portas de minha vida,
Falo alto que sombreia o sol:
Exu!

Domine as esquinas que dobram
o corpo negro do meu povo!

Derrama sobre nós seu epô perfumado,
nos banha na sua farofa
sobre o alguidá da vida!

Defuma nossos caminhos

com sua fumaça encantada.
Brinca com nossos inimigos,
impede, confunde, cega
os olhos que mau nos vêem.

Exu!

Menino amado dos Orixás,
dou-te este poema em oferenda.
Ponho no teu assentamento
este ebó de palavras!

Tu que habitas na porteira de minha vida,
seja por mim!
seja pelos meus irmãos negros
filhos de tua pele ébano!
Nós, que carregamos no corpo escuro
os mistérios de nossas divindades,
te vemos espelhado nos nossos cabelos de carapinha,
nos traços fortes de nossas faces,
na nossa alma azeviche!

Mora na porteira de nossa vida,
Exu!
Vai na frente trançando as pernas dos inimigos.
Nos olhe de frente e de costas!

Seja para nós o que Zumbi foi em Palmares:
Nos Liberta, Exu,
Laroiê!

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Onde o espelho?

                                   Para minhas irmãs negras
                        
Este cabelo que lhe vai liso sobre a carapinha,
é o simulacro infeliz do que não és.

(Ao vestir-se com a pele do inimigo
o que de ti silencia e se perde?
Quantos animais conheces
que assim o fazem senão para reagir?)

Este cabelo pesa desfeito sobre sua carapinha.
Veste-a como um manto impuro
abafando o preto caracolado
sobresi dobrado:
filosófico.

Os fios se endurecem como cavalos açoitados,
e bradam da morbidez desta couraça
que te mascara branca.

Este cabelo requeimado e grotesco
sepulta o que em ti há de mais belo.
A dobra também é uma forma
de Ser.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Poema inédito

Oração

Se um dia deste meu ventre
brotarem árvores-filhos
que sejam fortes como os livros
a que tanto amo.

Que eu possa morar
nas dobras de suas páginas
e me escrever nas suas margens,
(como num rio)
que eu mergulhe em suas sendas minúsculas,
como nas entranhas das palavras.

Que meus filhos me amem,
como meus livros
e que não fiquem apriosionados
nas minhas estantes!

Que mais que páginas
tenham pés e asas,
que voem brutos
desenhando sombras nos céus.

Que meus filhos possam olhar meus retratos
e que possam ver,
para além da beleza possível,
os olhos da mãe improvável.

Que deste ventre nasçam
mais que filhos-palavras,
corpos carne e sangue
donos de minha mais profunda
e ineludível substância.

Água Negra

Chove muito na cidade.
No asfalto betumoso um sangue transparente,
ora de um rubro desencarnado,
ora encardido de um cinza nebuloso,
é vomitado em cólicas
por toda a parte.

Das paredes duras vaza um mais escuro que,
imagino,
seja a água mordendo as estruturas.

A água é assim:
atiçada do céu,
infinita no mar,
nômade no chão pedregoso,
presa no fundo de um poço imenso:

a água devora tudo
com seus dentes intangíveis.