quarta-feira, 10 de março de 2010

Cecília Meireles

1

Não perguntavam por mim,

mas deram por minha falta.

Na trama da minha ausência,

inventaram tela falsa.


Como eu andava tão longe,

numa aventura tão larga,

entregue à metamorfose

do tempo fluido das águas;

como descera sozinho

os degraus da espuma clara,

e o meu corpo era silêncio

e era mistério minha alma -

- cantou-se a fábula incerta,

segunda a linguagem da harpa:

mas a música é uma selva

de sal e areia na praia,

um arabesco de cinza

que ao vento do mar se apaga.


E o meu caminho começa

nessa franja solitária,

no limite sem vestígio,

na translúcida muralha

que opõem o sonho vivido

e a vida apenas sonhada.


(Canções. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2005, p. 147)

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