segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O Amor de minha mãe

A tarde deste quase-verão, abafada e quente, entrecortada de ventos que deslocam os perfis das sombras, que batem portas e enfeitam o tempo de músicas incidentais, me lembrou muito do amor de minha mãe. Simplesmente por que ele sempre foi assim, como um inverno entrecortado de primaveras. Sendo, como sempre foi, a Lei, ela se permitia algumas rupturas. Uma vez no mês - não por coincidência quando ela recebia o salário - almoçávamos no restaurante do Paes Mendonça, do Canela. Ainda trago uma decepção chorosa pelo fim daquele grande templo do amor ameno. Podíamos tanto escolher o que quiséssemos no restaurante, quanto no mercado. Mamãe sempre escolhia filé com fritas, e seu riso se iluminava egotísta e satisfeito de si: uma raridade. Depois, íamos pelos longos corredores do mercado, quase livres de seu olhar censor, escolher, cada um, um produto com preço limitado. Ainda hoje escolho o doce de leite da Nestlé, como se querendo recuperar a mãe de quadris largos e seios ainda firmes debaixo da blusa de botões.

Foi com ela que bebi cerveja pela primeira vez. Contra qualquer Juiz de menores, provei o primeiro gole lá pelos treze anos - não adianta perguntar, pois, hoje, ela certamente negaria. Havia uns bombons com licor que comíamos nas tardes de domingo, quando não havia plantão e podíamos ter uma mãe nossa, vestida de cores mais normais, jamais branco, mas sempre com as unhas curtas.

Havia ainda a praia, onde se podia devorar um mundo colorido que planava vivo pelos ares, mergulhava desengonçado no mar de luz transparente, espalhava-se em bandejas ferventes sobre a mesa, e se recolhia exausto depois do banho de cisterna, nos colchões que se espalhavam pelo chão da casa.

No fundo, muito para além do que se antes se podia ver, minha mãe era uma linda libertina. Hoje, se divisa, na velhice doce que pinta seus cabelos e confunde os olhos quase azuis de doença e de tempo, laivos sumarentos desta alegre libertinagem que sai de seu coração pequeno, contaminam o mundo com um afeto que se redobra, terno, sobre si, e banha nossas vidas em um descampado de "poder ser", intenso e sem fim!

Nenhum comentário:

Postar um comentário