sábado, 28 de novembro de 2009

Liberdade

Ir e poder entrar.
Não ser revistada,
entrevistada,
revirada.

Não me alisarem os cabelos,
Ou abrandarem meu nariz.
Não me dizerem ser morena
esta pele que herdei retinta.

Africana(mente)
Meus cabelos,
Minha pele,
Meus sonhos
têm raiz profunda:

ela atravessa oceanos,
terras cindidas de partida e chegada,
ela se forja útero de água,
ela se faz palavra que funda mundos
e se expande vigorosa de dentro de mim.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O Amor de minha mãe

A tarde deste quase-verão, abafada e quente, entrecortada de ventos que deslocam os perfis das sombras, que batem portas e enfeitam o tempo de músicas incidentais, me lembrou muito do amor de minha mãe. Simplesmente por que ele sempre foi assim, como um inverno entrecortado de primaveras. Sendo, como sempre foi, a Lei, ela se permitia algumas rupturas. Uma vez no mês - não por coincidência quando ela recebia o salário - almoçávamos no restaurante do Paes Mendonça, do Canela. Ainda trago uma decepção chorosa pelo fim daquele grande templo do amor ameno. Podíamos tanto escolher o que quiséssemos no restaurante, quanto no mercado. Mamãe sempre escolhia filé com fritas, e seu riso se iluminava egotísta e satisfeito de si: uma raridade. Depois, íamos pelos longos corredores do mercado, quase livres de seu olhar censor, escolher, cada um, um produto com preço limitado. Ainda hoje escolho o doce de leite da Nestlé, como se querendo recuperar a mãe de quadris largos e seios ainda firmes debaixo da blusa de botões.

Foi com ela que bebi cerveja pela primeira vez. Contra qualquer Juiz de menores, provei o primeiro gole lá pelos treze anos - não adianta perguntar, pois, hoje, ela certamente negaria. Havia uns bombons com licor que comíamos nas tardes de domingo, quando não havia plantão e podíamos ter uma mãe nossa, vestida de cores mais normais, jamais branco, mas sempre com as unhas curtas.

Havia ainda a praia, onde se podia devorar um mundo colorido que planava vivo pelos ares, mergulhava desengonçado no mar de luz transparente, espalhava-se em bandejas ferventes sobre a mesa, e se recolhia exausto depois do banho de cisterna, nos colchões que se espalhavam pelo chão da casa.

No fundo, muito para além do que se antes se podia ver, minha mãe era uma linda libertina. Hoje, se divisa, na velhice doce que pinta seus cabelos e confunde os olhos quase azuis de doença e de tempo, laivos sumarentos desta alegre libertinagem que sai de seu coração pequeno, contaminam o mundo com um afeto que se redobra, terno, sobre si, e banha nossas vidas em um descampado de "poder ser", intenso e sem fim!

domingo, 8 de novembro de 2009

Eu, você e uma década.

      Pelos nossos 10 anos, 2 anos depois.

Em um milésimo de segundo um organismo complexo se compreende tanto que vira simples, simples. Um segundo é tempo mais que suficiente para se perder um pôr-de-sol. Em um minuto estrelas morrem desfibradas de luz. Em uma hora nascem milhões de pessoas no mundo. E morrem outras milhões. Em um dia o sol morre aqui e renasce de olhos puxados do outro lado do mundo. Em um mês um bebê desenvolve os pulmões para respirar todo o mundo de orvalhado perfume. Em um ano envelhecemos um ano. Mas o que dizer de uma década? Em uma década caem ditadores, e nascem outros piores - ou melhores. Em uma década um movimento musical se perde solto do ouvido e da vitrola. Uma década também é tempo suficiente para as geleiras derreterem todas. Para morrerem os ursos polares. Para nossos ídolos desaparecerem. Na verdade, toda diferença da vida cabe num milésimo de segundo.