domingo, 30 de novembro de 2008

Dia do sim




Uma história, que já virou uma mitologia familiar, diz que, certa vez, uma menina extremamente doce, dócil, tímida e silenciosa quebrou toda uma sala, rasgou coisas, derrubou armários, emborcou carteiras, gritou e depois, passado o momento de desordem profunda (certamente muito maior do que aquela instalada ali), sentou-se, no canto da sala, com sua blusinha de escola e silenciou. Esta menina estava ainda na pré-escola do colégio Sacramentinas de Salvador. Esta menina fui eu. Foi uma Iansã pequenita, ventando medos, dores e raivas numa sala toda feita contra ela. Foi uma tromba d'água, uma Cachoeira da Pancada Grande, emancipando suas águas e lavando aquele universo tão sombrio, tão nodoso e tão familiar. Esta menina sou eu.Talvez, por conta desta menina, tenha hoje tanto pavor de escândalos. Não que não os faça. Graças a ela também tomei certo pavor do público, que estou, há anos, curando na sala de aula.

Mas o que há sempre é um medo. Um duplo meu renitente que fica pendurado nos meus ouvidos dizendo sempre não, talvez... Agora, quando decidido está que é a hora do sim, ela está murcha, catando migalhas de tempo na cadeira ao lado.
Nem sempre estamos preparados para ter coragem. O medo preserva nossa vida, mas paraliza a probabilidade, interrompe a positividade de compreender que o mundo pode ser negativo, mas há outras 50% de chance de ser positivo.

O mundo pode me dizer sim.


E eu, pequenita, silenciosa e firme, posso dizer sim ao mundo.
Então, de repente, o medo, amigo da roedora de unhas aqui ao meu lado, se viu revelado. Num labirinto sinuoso corri atrás dele, gritando. Entrei numa imensa sala de espelhos e me vi refletida nele inúmeras vezes...minhas dores multiplicadas ad infinitum.


Mas, num momento dado de esperteza de minha coragem, tomando-me toda em suas mãos vigorosas, entrei na casa do medo, escancarei sua porta, arrombei suas janelas, lavei, limpei, expulsei todo o canto carcomido por ele - vícios horríveis ele tem: milhares de relógios sempre marcando a hora que não veio; olhos imensos de ontem, de antes, de amanhã amedrontam com sua interrogação dolorosa os visitantes; perguntas que não fiz, respostas que não dei invadem meus ouvidos...

Mas vou eu dando fortes espanadas na cumieira, nas teias de aranha, derrubando casas de maribondos, vou arrumando a antiga casa do medo - agora minha - sem piedade alguma de minha antiga fraqueza.

Um comentário:

  1. Todos nós temos conosco medos. Alguns enterramos de forma que não queremos ter a percepção do medo. Outros medos encaramos e buscamos espantar esses ''espantalhos'' que nos aterroriza.

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